PONTO DE VISTA
O empresário Guilherme Fiorese Philippi assume a presidência do Conselho Estratégico da Abcic em um cenário desafiador com a pandemia do novo coronavírus. Ele avalia que o momento é de atenção e de cautela. Entretanto, é também preciso coragem e dedicação para superar de forma conjunta mais esse desafio. “Nosso setor já passou por outros momentos difíceis e certamente faremos esta travessia com muita sabedoria e união”.
Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em administração pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e com MBA em Finanças pelo IBMEC, Philippi é diretor da Marna Pré-Fabricados, com forte atuação no Sul do Brasil. Ele também é presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos e Artefatos de Cimento e Fibrocimento e Ladrilhos Hidráulicos do Estado do Paraná (Sindicaf-Paraná), diretor suplente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), e Conselheiro Fiscal Suplente do Sebrae/PR. Confira, na sequência, a entrevista concedida à Industrializar em Concreto.
Poderia fazer uma avaliação do papel do pré-fabricado de concreto para a construção brasileira até os dias atuais?
O sistema construtivo com estruturas pré-fabricadas de concreto tem sido protagonista no crescimento e desenvolvimento do Brasil. A engenharia brasileira sempre teve um grande destaque no uso do concreto armado e do concreto protendido. E com o concreto pré-fabricado não poderia ser diferente. Essa solução estrutural tem sido utilizada nas mais diversas obras, principalmente nas que exigem maiores vãos com o uso da protensão. O uso de vigas pré-fabricadas protendidas para pontes se iniciou na década de 50. Posteriormente, a partir da década de 80, se iniciou a utilização de lajes alveolares protendidas. Entendo que o uso mais intensivo de pré-fabricados de concreto nas obras acabou disseminando o conceito do concreto protendido com vigas e lajes alveolares – o que foi muito positivo para a engenharia nacional.
A expectativa do setor para a construção era positiva antes da pandemia do novo coronavírus. Contudo, neste momento de incertezas sobre a duração do contágio no Brasil, já existem previsões de uma nova recessão no país. Qual sua visão sobre essa atual situação?
A duração da pandemia e do isolamento social é a grande questão para qual a população e as lideranças estão buscando respostas. Entendo que precisamos aprender a conviver com esta nova situação e que o isolamento social terá longa duração. A reabertura das atividades nas cidades ocorrerá gradualmente e com cautela, principalmente no comércio e nas escolas. O setor produtivo não pode parar e por isso tem procurado manter suas atividades nos setores em que é possível. Destaco a construção civil, em que estamos inseridos, que salvo exceções em alguns estados, manteve as obras em andamento com cuidados com segurança e higiene, evitando assim a propagação do vírus. Com relação à situação da economia fatalmente teremos uma recessão. Estima-se uma queda de 6,50% do PIB nacional em 2020, segundo o Boletim Focus do Banco Central. Teremos a maior queda do PIB mundial deste a Crise de 1929. A recuperação da economia será lenta e acredito que será em forma de “U” e não em forma de “V”. É importante observar que alguns setores da economia sofrerão mais e outros menos.
Desse modo, quais são as principais prioridades do setor nesta conjuntura?
Nosso setor defende a reabertura da economia, porém de forma segura e respeitando as recomendações da saúde pública. Defendemos o uso intensivo de máscaras nas empresas e por toda a sociedade. O governo federal e os governos estaduais têm procurado dar respostas na forma de estímulos monetários e fiscais. E com programas de proteção social e de renda mínima. Esperamos que ao longo do tempo estas medidas surtam efeito e que o setor empresarial consiga, em grande parte, sobreviver. Observamos, no entanto, que houve uma grande dificuldade de os recursos financeiros chegarem até as micro e pequenas empresas. O crédito não está chegando às empresas, devido ao risco sistêmico. Os bancos não estão emprestando. E as empresas estão sem capital de giro. A situação atual é sem precedentes e exige respostas enérgicas da classe política, por ora insuficientes. São importantes não apenas medidas de proteção dos empregos e dos autônomos, mas também a proteção das empresas para que estejam vivas na retomada e voltem a contratar. Com o lançamento do PRONAMPE pelo Governo Federal se espera que a situação melhore um pouco. Infelizmente somente em meados de junho – 4 meses após o início da pandemia – as micro e pequenas empresas começaram a ter a oportunidade de contratar este crédito. Esta morosidade certamente será fatal para muitos negócios.
Poderia ressaltar como o Conselho Estratégico tem contribuído para implementação das ações da Abcic para contribuir com a disseminação de informação qualificada ao associado bem como na participação de iniciativas instituições importantes junto às entidades do setor da construção?
O Conselho Estratégico da ABCIC, que é formado por empresários de nosso setor, possui atualmente 13 membros que se reúnem periodicamente para nortear os rumos de nossa associação. É composto por 9 conselheiros eleitos e por ex-presidentes. O fato de os membros deste Conselho serem provenientes de diversos estados e regiões do Brasil, traz uma boa percepção a todos sobre os desafios de nosso segmento. A partir da análise das demandas, o Conselho delibera e dá as diretrizes estratégicas para que a Diretoria Executiva desenvolva as ações. A ABCIC tem participado ativamente em fóruns com outras entidades da construção civil como ABRAINC, ABRAMAT, DECONCIC/CONSIC/FIESP além de parcerias importantes com outras entidades como IBRACON, ABECE e SOBRATEMA. Dessa forma nossa associação tem apresentando seus pleitos e tem apoiado decisões que são transversais a toda a cadeia produtiva da construção civil. Com isso a ABCIC tem levado aos associados informações atualizadas sobre o contexto atual e perspectivas futuras. Outra iniciativa importante tem sido a realização de reuniões virtuais periódicas com os associados para que se possa compartilhar percepções, informações e boas práticas neste momento da pandemia.
O setor de pré-fabricado de concreto foi uma solução importante após acontecimentos desafiadores para a humanidade, como por exemplo, na construção de moradia no pós-guerra. Desse modo, como a industrialização pode novamente auxiliar a construção depois do fim da crise do novo coronavírus?
As empresas de nosso setor possuem grande poder de adaptação, flexibilidade e resiliência. Isso já foi comprovado em outros momentos, ao responder à demanda por obras específicas como estádios, obras de infraestrutura, indústrias, varejo, logística, habitação e hospitais. Dessa forma o setor tem conseguido, com muita criatividade e trabalho, superar os momentos difíceis. Haverá setores da economia que sairão mais prejudicados como o comércio tradicional. Outros setores como supermercados, vendas online, agronegócio e medicamentos não sofrerão tanto. O importante é afirmar que as empresas de nosso setor estão, como sempre, prontas para atender às demandas que surgirem. Entendo que com a questão do isolamento social, que deverá se prolongar, a construção industrializada emergirá como uma solução interessante para evitar aglomerações - principalmente nos canteiros de obras.
Para um futuro próximo, quais serão os maiores desafios para o segmento?
O maior desafio para o segmento é continuar inovando e incorporando novas tecnologias apesar do momento desafiador. A capacitação de nossa mão de obra intelectual e fabril não pode parar. As empresas que se mantiverem atualizadas em termos de inovação e de qualidade terão mais sucesso quando a pandemia acabar.
E no caso do papel institucional da ABCIC, quais são os principais desafios?
A ABCIC tem conseguido manter um canal aberto com diversas entidades e instituições e tem defendido os interesses de nosso setor. A defesa e o incentivo à industrialização da construção civil fazem parte de uma pauta permanente, tanto na esfera privada como na esfera governamental. Temos conseguido, também, uma forte conexão com outros países visando o intercâmbio de pesquisas e novas tecnologias. Não podemos deixar de mencionar a participação ativa da ABIC junto à ABNT na revisão das normas técnicas e na busca pela padronização, visando com isso a competitividade e o desenvolvimento sustentável de nosso setor. Estas ações e iniciativas contribuem muito para os associados, que podem ampliar sua visão do cenário atual e das tendências de uso de novas tecnologias. Nossa associação tem sido um polo agregador dos fabricantes e fornecedores da cadeia, o que possibilita um networking muito importante.
Os associados têm avaliado que a continuidade das gestões contribui sobremaneira para o desenvolvimento da entidade e para o reconhecimento de sua liderança setorial. Desse modo, em sua gestão, quais serão os aspectos que serão reforçados? Qual o legado que pretende deixar para o setor?
Pretendemos, acima de tudo, fortalecer a união entre as empresas associadas. E procurar ouvir as demandas dessas empresas e profissionais técnicos. Dessa forma a Abcic continuará evoluindo e se posicionará da melhor forma possível para servir aos associados.
Nessas últimas décadas, o setor tem sido reconhecido por sua alta capacidade de adoção de inovação e tecnologia em diversas etapas do processo produtivo. Como o Sr. avalia esse reconhecimento?
A ABCIC tem acelerado muito este processo, ao participar ativamente de importantes fóruns internacionais com o a fib – Fédération internationale du béton, que congrega 42 países e tem sua sede na Suíça e o PCI – Precast/Prestressed Concrete Institute com sede nos EUA. Além disso a ABCIC está em constante contato com as universidades brasileiras, colaborando com a divulgação das pesquisas realizadas, principalmente através dos eventos que periodicamente promove. O avanço tecnológico do Brasil em estruturas pré-fabricadas é comparado ao dos países mais desenvolvidos, o que é um orgulho para a engenharia nacional.
Qual sua análise do papel do Selo de Excelência ABCIC para o desenvolvimento do setor?
O Selo de Excelência ABCIC teve sua inspiração no programa de certificação norte-americano do PCI. Já havia um consenso naquele país que o investimento forte em qualidade era o ponto de partida para o desenvolvimento do mercado do pré-fabricado de concreto. Entendo que o Selo de Excelência Abcic tem sido muito importante na disseminação das boas práticas de engenharia que estão contidas nas normas técnicas da ABNT, além de incorporar conceitos das normas ISO 9001, ISO 14001 e ISO 18001. Isso traz às empresas conceitos de melhoria contínua, maior organização interna e aumento de produtividade.
Como a participação da ABCIC em diferentes contextos institucionais e governamentais no Brasil e no exterior tem contribuído para estimular a construção industrializada?
A ABCIC tem defendido a construção industrializada em diversos fóruns e tem conseguido uma boa interlocução com o Governo Federal, que inseriu esta pauta como estratégica para o país. A questão da busca pela equalização tributária entre a construção industrializada e a construção tradicional também foi incluída nesta pauta governamental.
Poderia deixar uma mensagem aos associados, lembrando que a entidade, desde sua fundação, vem contribuindo para a evolução do setor?
O momento é de atenção e cautela. Mas sobretudo precisamos de coragem e dedicação para superarmos juntos este desafio. Nosso setor já passou por outros momentos difíceis e certamente faremos esta travessia com muita sabedoria e união.
Qual sua avaliação sobre o setor de pré-fabricados de concreto em tempos de pandemia do novo coronavírus?
O nosso setor desde o início da pandemia até o presente momento tem se mostrado muito resiliente. Houve poucas demissões e os volumes de produção se mantiveram estáveis em grande parte das empresas, de acordo com resultados da Pesquisa feita com as empresas associadas. Neste período tivemos a oportunidade de fazer algumas reuniões virtuais entre os associados, principalmente nos meses de março e abril – que foram momentos muito críticos. Esta troca de experiências foi muito enriquecedora no intuito de manter as fábricas e as obras funcionando de acordo com protocolos de proteção aos colaboradores. Percebo o nosso setor forte e preparado, apesar do momento delicado.