PONTO DE VISTA
Pesquisador e docente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), Ercio Thomaz construiu uma carreira bem-sucedida na área da construção, em especial no segmento de materiais e sistemas construtivos. Mestre e Doutor em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo, é reconhecido como um dos principais especialistas técnicos do setor, por seus trabalhos de avaliação do desempenho de componentes e sistemas construtivos, de patologias e recuperação de obras, de assistência técnica a companhias de habitação e a municípios, por sua colaboração com o Ministério das Cidades – Secretaria da Habitação, e pelas ações emergenciais em ocorrências que afetam a vida nacional, dentro e fora do Estado de São Paulo. A seguir, trechos da entrevista concedida à Industrializar em Concreto:
Poderia contar sobre sua trajetória profissional?
Me formei em Engenharia pela Universidade Mackenzie em 1973. Durante minha graduação, estagiei em uma construtora de edifícios, depois fiz um estágio e iniciei minha carreira como engenheiro do IPT. Depois de dois anos, trabalhei em uma indústria de fibrocimento por quase três anos e retornei ao IPT. Após onze anos no Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos do IPT, sai e fui para uma empresa de construção de rodovias e obras de arte. Novamente, voltei ao IPT, onde permaneço já há pouco mais de dez anos. Nas idas e vindas, fiz mestrado e doutorado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, montei um escritório de consultoria junto com dois colegas engenheiros, e atuo como professor de Materiais de Construção Civil, Técnicas de Construção Civil, Elementos de fachadas, Alvenarias, Patologias das Construções e Qualidade na Construção Civil no IPT, Faculdade de Engenharia de Sorocaba, Universidade Mackenzie e Fundação Armando Alvares Penteado.
Poderia contar um pouco sobre o seu trabalho no IPT?
Iniciei no Laboratório de Materiais de Construção do IPT, onde auxiliei ou mesmo realizei um grande número de ensaios. Na época, tínhamos contratos de assistência/cooperação técnica com Cohab-SP, Sabesp, Cetesb, fabricantes de blocos vazados de concreto (era praticamente o início da era da alvenaria estrutural) e outros. Atuamos em extensos programas de controle da qualidade de materiais, tanto no IPT como em fábricas e plantas industriais. Na minha segunda passagem pelo IPT, no começo da década de 1980, tínhamos contratos importantes com o então BNH. Nessa época, vários colegas passaram por treinamento no exterior (França e Estados Unidos, particularmente), iniciando-se em seguida os trabalhos que levaram ao estabelecimento da primeira versão dos critérios de desempenho para edificações habitacionais. Ainda nessa passagem, participamos ativamente de programas de colaboração técnica capitaneados pelo Ministério das Relações Exteriores (com Japão, França, países do Continente Africano), realizando-se vários cursos de “Planejamento e Tecnologia da Habitação” para países da América Latina e África lusófona. Também nessa época, na volta de uma das viagens à França, iniciamos o Programa Qualihab junto à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU, que há alguns anos já mantinha contrato de assistência técnica com o IPT. Na idealização do Qualihab, além de profissionais do IPT e da CDHU, tiveram destacada participação o Sinduscon-SP, técnicos da Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, associações de entidades profissionais, sindicatos de fabricantes de materiais e outras agremiações. Tomando um pouco da segunda e um pouco da terceira passagem, participamos da elaboração e coordenação da Norma de Desempenho (NBR 15575), Programa de Assistência Tecnológica a Indústrias Cerâmicas do Estado de São Paulo, desenvolvimento de componentes e de sistemas construtivos (projetos em parceria com empresas e Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo), idealização e suporte técnico à Revista Téchne (Editora Pini), idealização e participação no processo de Referência Técnica IPT, desenvolvimento do SINAT - Sistema Nacional de Avaliações Técnicas, entre outros. Em todas as épocas, participei em trabalhos de avaliação do desempenho de componentes e sistemas construtivos, diversos trabalhos de patologias e recuperação de obras, assistência técnica a companhias de habitação e a municípios, colaboração com trabalhos do Ministério das Cidades – Secretaria da Habitação, ações emergenciais em ocorrências de inundações, incêndios, desabamentos e outras tragédias que afetam a vida nacional, dentro e fora do Estado de São Paulo.
Qual sua opinião sobre o atual estágio da industrialização na construção civil no Brasil?
Entendida a industrialização da construção como indústria de montagem ou de pré-montagem, há muito ainda a ser feito. Há importantes capacidades instaladas, aptas a produzir com qualidade e custos competitivos sistemas estruturais em pré-moldados de concreto armado ou protendido, incluindo painéis estruturais e estruturas reticuladas, painéis arquitetônicos de fachadas, estacas, lajes alveolares, divisórias em gesso acartonado, os sistemas steel frame e wood frame, os engradados pré-fabricados em metal ou madeira para coberturas, os sistemas “porta pronta”, caixilhos unitizados e outros. Há ainda disponibilidade de tecnologias híbridas, como os sistemas de pré-lajes e pré-vigas, as lajes pré-moldadas tipo treliça, o sistema steel deck, lances de escadas, pré-moldados leves para vergas, contravergas, peitoris, e cananelatas. Todavia, falta ainda consolidar no Brasil a cultura da pré-fabricação, aperfeiçoar a análise global de custos, considerando além dos investimentos iniciais (normalmente o fator decisivo nas escolhas) os custos com manutenção e operação, o ciclo de vida dos produtos, os impactos ambientais, a profissionalização da mão de obra e outros. Mais que isso, para que se inicie um ciclo virtuoso de qualidade e produtividade falta ao país atingir estabilidade social, política e econômica, nessa atual ilha da fantasia onde a carga de impostos, a burocracia criada pela imensa máquina estatal, a insegurança jurídica, a impunidade amiga da corrupção, o compadrio e a classe política em geral se colocam como ferozes inimigos daqueles que têm vontade de produzir e prosperar.
Como analisa a evolução das estruturas pré-fabricadas de concreto no Brasil? E o trabalho da Abcic?
O concreto pré-moldado no Brasil, onde não se pode deixar de destacar figuras como Teodoro Rosso, Augusto Carlos de Vasconcelos, José Zamarion Ferreira Diniz e João Filgueiras Lima - o Lelé, além de seus sucessores nos respectivos escritórios de projetos, indústrias e universidades, ombreia-se àqueles dos países mais desenvolvidos do mundo. A indústria brasileira e a engenharia nacional têm capacidade de produzir obras de grande porte como pontes e viadutos, estádios, centros de distribuição, shoppings centers e quaisquer outras obras valendo-se do emprego total ou parcial de pré-moldados e das mais modernas técnicas e processos construtivos - balanços sucessivos, estruturas estaiadas, “tilt-up”. Em termos de evolução dos pré-moldados, atingimos a idade adulta. Dentro das dificuldades inerentes a um país estruturalmente desorganizado, na medida e até acima das possibilidades, a ABCIC vem plantando sementes que certamente produzirão bons frutos: destacam-se os cursos e seminários, a organização de viagens técnicas ao exterior, os prêmios e outros incentivos a projetos e a profissionais, o intercâmbio com as principais instituições brasileiras e estrangeiras de pesquisa e normalização técnica. Do ponto de vista da difusão dos conceitos da construção industrializada, do “just in time” e do “lean construction”, a entidade deve fortalecer ainda mais os trabalhos nas escolas de engenharia e arquitetura, onde boa parte delas ainda ignora o ensino de pré-moldados, estruturas em aço e outras.
Quais os principais benefícios em sua opinião do pré-fabricado de concreto?
Facilitar o planejamento da obra e a organização da produção, facilitar a montagem e o cumprimento do orçamento, diminuir o número de operários, insumos e operações de produção no canteiro de obras, diminuir resíduos de construção e atenuar os impactos ambientais, possibilitar sistemas eficientes de cura do concreto, o que boas partes das vezes não se verifica nas estruturas moldadas no local.
Poderia fazer uma avaliação sobre a aplicação de novas tecnologias no segmento de pré-fabricados de concreto no Brasil?
Em decorrência da aprovação da norma de desempenho (ABNT NBR 15575) em julho de 2013, abriram-se novas oportunidades para os sistemas pré-fabricados em geral, e, em particular, para os pré-moldados de concreto: as companhias de habitação e os agentes públicos ou privados de financiamento passaram a contar com instrumento valioso para análise e aprovação de empreendimentos habitacionais em sistemas construtivos inovadores. A partir dessa norma, que representa verdadeira regulamentação da construção habitacional, e do advento da norma ABNT NBR 16475 no inicio deste ano de 2017, os sistemas em painéis pré-moldados de concreto poderão representar importante papel na resolução do déficit habitacional brasileiro, necessitando para tanto de politicas habitacionais consistentes e de número de unidades que justifiquem os investimentos necessários para a produção industrializada. Não que se deva projetar imensos conjuntos habitacionais, na contramão do que recomenda a sociologia e do que fizeram os países mais desenvolvidos (desconstrução de grandes conjuntos habitacionais nas décadas de 1960 e 1970, principalmente na Europa), nem abolir os sistemas convencionais de produção, onde a construção civil reaquecida pode colaborar significativamente para reduzir o preocupante número de desempregados. Ainda do ponto de vista das exigências de desempenho das habitações, há importante campo para o desenvolvimento de painéis sanduíche e painéis alveolares, componentes em concreto leve tanto para paredes como para coberturas (otimização do desempenho térmico), sistemas leves para casas térreas e sobrados, componentes modulares para vãos de portas e janelas, entre outros.
Como o Sr. vê o desenvolvimento de novas tecnologias na área do concreto como, por exemplo, o Concreto de Ultra-Alto Desempenho (UHPC)? No seu entendimento as empresas que investem em desenvolvimento tecnológico serão mais competitivas no futuro?
As empresas que investem em desenvolvimento tecnológico já são mais competitivas do que os concorrentes. E ficarão ainda mais fortes no futuro. Os concretos de ultra-alto desempenho, os concretos de pós-reativos, o emprego de fibras de vidro álcali-resistentes, de carbono ou de outros materiais de reforço, dos empacotamentos e das adições projetadas a partir dos conceitos da nanotecnologia, dos aditivos polifuncionais e dos superfluidificantes de última geração possibilitarão concretos de altíssima resistência, estruturas mais leves e mais esbeltas. Está aí um campo interessantíssimo para o consumo mais racionalizado de matérias primas e dos processos inovadores de produção das estruturas, tanto as moldadas no local como as pré-moldadas.
Em sua avaliação, quais são os principais desafios para uma adoção em maior escala dessas tecnologias no país?
Penso que a primeira dificuldade seja o desconhecimento desses novos materiais, ditos “engenheirados”: afinal “ninguém sente falta daquilo que não conhece”. A segunda dificuldade, a falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, tanto das instituições públicas como das privadas, lembrando-se que haverá sempre a necessidade da “tropicalização” de tecnologias em geral desenvolvidas no Hemisfério Norte, do treinamento de profissionais em todos os níveis, da adaptação de equipamentos e laboratórios de ensaios. Finalmente, necessidade de demandas que justifiquem os investimentos necessários e da adequação dos custos à realidade econômica nacional, sendo que aí vigora a lei do ovo ou da galinha: enquanto não há demanda justificável os custos são impeditivos, enquanto os custos são muito altos não há possibilidade de aplicação em larga escala. Em algum momento, todavia, este ciclo vicioso deverá ser quebrado.