CENÁRIO ECÔNOMICO
Os historiadores dizem que não faz sentido estudar o passado a menos que lance alguma luz sobre o presente. Os economistas utilizam a “história dos números” para entender o presente e fazer projeções. No entanto, o ineditismo da crise advinda com a pandemia foi tanto que os modelos perderam sua capacidade preditiva. Ou seja, erraram antes ao não prever a crise e depois, ao dimensioná-la. Enfim, economistas e analistas em geral erraram em suas projeções de queda no PIB de 2020 feitas antes e depois do início da pandemia.
Mas os impactos foram inequívocos e expressos no resultado do PIB do segundo trimestre, que registrou retração de 9,7% na comparação com o trimestre anterior. No semestre, a economia caiu 5,9% em relação ao primeiro semestre de 2019. O setor de serviços que responde por mais de 60% do PIB brasileiro determinou grande parte da queda do período, mas a indústria de transformação registrou queda mais expressiva (-17,5%).
O desempenho menos ruim do setor de serviços deveu-se aos programas lançados de apoio à renda e ao emprego, que conseguiram mitigar o efeito da crise para as famílias. De todo modo, a queda do segundo trimestre não reflete mais o momento atual. No terceiro trimestre, indicadores apontam recuperação das atividades, sinalizando que a retração do ano será menos intensa que a prevista em março-abril.
Entre os setores que surpreenderam positivamente, está a construção. Na verdade, parece um paradoxo dizer que a que a retração do PIB de 5,7% na comparação com o primeiro trimestre de 2020 tenha sido um resultado bom, então melhor dizer que foi menos ruim que o esperado.
E a surpresa veio justamente do segmento para o qual se projetava o maior impacto da crise: o segmento informal, representado pelas famílias e pequenos empreiteiros, que determinam parte maior no consumo de materiais.
Já a partir de abril, houve crescimento das vendas do comércio de materiais de construção, que se seguiu em maio, junho e julho, quando o indicador superou o patamar pré-Covid em 14%. No ano até julho, o volume de vendas já registra crescimento (1,9%) na comparação com 2019. A recuperação forte do comércio reflete o efeito reforma decorrente da quarentena que foi potencializado pelo auxílio emergencial. Em geral, as lojas de material de construção puderam ficar abertas em todo o país, uma vez que a construção foi considerada atividade essencial.
A indústria sentiu a retração da atividade da construção de forma mais intensa que o comércio, determinando até a paralisação de fornos em alguns segmentos industriais. No entanto, o crescimento expressivo da demanda das famílias repercutiu também na indústria, ainda que a retomada tenha iniciado mais tardiamente. Apenas em julho, a produção superou o resultado de 2019, mas no ano até agosto ainda acumula queda de 6,8%.
Além da demanda das famílias, há outra força alavancando a produção: as construtoras.
O saldo positivo do Caged a partir de junho confirma a progressiva recuperação do ciclo produtivo. Com o aumento das contratações, o saldo no ano já se mostra positivo novamente. Em agosto, as construtoras responderam por 20% do saldo de toda a economia.
A Sondagem da Construção da FGV captou a melhora da confiança a partir de maio. Em setembro, a Sondagem apontou que o Indicador de Atividade das empresas quase recuperou o patamar de fevereiro. Ou seja, a retomada está sendo rápida, embora em ritmo diferente entre os diversos segmentos setoriais. Os segmentos relacionados a serviços, como o de instalações, são os que se recuperam mais lentamente. Por sua vez, as obras de infraestrutura (obras viárias e obras de artes) já superaram o patamar pré-covid, assim como o segmento de edificações residenciais, que estava em fase ascendente antes da pandemia.
Aqui vale então lembrar o que significa retomar o patamar pré-pandemia: em dezembro de 2019, o PIB da construção estava 33% abaixo do pico alcançado em janeiro de 2014.
É fato, que as incertezas reduziram significativamente em relação ao início da crise, mas ainda são elevadas. Sustentar a retomada da economia ainda passa por alguns desafios que se tornarão maiores em 2021, com o fim do auxílio emergencial e uma situação fiscal crítica.