PONTO DE VISTA
Íria Doniak e Mounir Khalil El Debs, com Ricardo Carrazedo (Ibracon) Paulo Helene (PhD Engenharia/USP), e Eduardo Millen (ABECE), durante o 3º Encontro Nacional de Pesquisa-Projeto-Produção
Qual sua opinião sobre o segmento de pré-fabricado antes da Abcic? E depois, o que mudou e qual é o papel da entidade para o desenvolvimento e a disseminação da tecnologia no país?
A entidade anterior, a ABCI (Associação Brasileira da Construção Industrializada), que congregava o segmento dos pré-fabricados e outros segmentos relacionados com a industrialização da construção, tinha uma diversidade muito grande e acabou se extinguindo. Lembro-me de uma conversa com o engenheiro Sylvio Ferreira, da ABCP, sobre a criação de uma nova entidade mais voltada ao pré-fabricado, que seria mais uniforme. Isso, de fato, ocorreu com a ABCIC, que representa uma nova era para o segmento. Os primeiros encontros promovidos pela ABCIC com a ABCP marcam a vinda de profissionais do exterior, como os engenheiros Arnold van Acker e Tom D'Arcy, proeminentes figuras do segmento na Europa e nos Estados Unidos, respectivamente. A presença de profissionais de alto nível internacional foi importante tanto para o desenvolvimento como para a disseminação da tecnologia no Brasil. Cabe ainda destacar os cursos e publicações, incluindo esta revista, que são importantes vetores de disseminação da tecnologia.
Em sua visão, quais foram as principais contribuições das três edições (2005, 2009 e 2013) do Encontro Nacional de Pesquisa, Projeto e Produção em Concreto Pré-Moldado (PPP)?
O objetivo foi a realização de uma reunião técnico-científica para promover a integração do setor acadêmico, representado pelos pesquisadores das Instituições de Ensino Superior do país, incluindo professores, alunos de pós-graduação e de graduação, e do setor produtivo, representado pelos projetistas de estruturas, por fabricantes de equipamentos e produtos empregados em concreto pré-moldado e pelas empresas de produção de estruturas de concreto pré-moldado. Nas três edições, foram 679 participantes, 166 trabalhos apresentados e 9 palestras internacionais. Na primeira edição houve uma mesa redonda para discutir a interação e nas duas últimas edições painéis dos projetistas. As principais contribuições foram: o setor produtivo tomou conhecimento das pesquisas que estavam sendo desenvolvidas, houve importantes discussões que refletiram nas pesquisas e também em prestações de serviço, houve a vinda do professor Marco Menegoto no 1PPP, então coordenador da comissão 6 da fib, que deu início a entrada da ABCIC na fib. Gostaria ainda de destacar que as palestras, trabalhos e projetos estão disponibilizados na internet e constituem importante fonte de consulta. Por exemplo, quando eu ministro as aulas de concreto pré-moldado, eu recomendo aos alunos que vejam os projetos nos sites dos encontros. Gostaria que destes encontros resultassem uma definição de temas prioritários de pesquisas para que o setor acadêmico pudesse desenvolver projetos de pesquisa focados nestes temas.
Como analisa o ensino das universidades de engenharia do Brasil? Quais os desafios e as melhorias que poderiam ser implantadas?
Eu vou falar com base no meu conhecimento do curso de Engenharia Civil da EESC-USP. Acredito que a maioria dos cursos esteja na mesma situação. Embora alguns alunos se formem com elevado nível, na média, esse nível está caindo. Pode ser que essa avaliação seja apenas saudosismo. O ideal é que houvesse uma avaliação da formação dos alunos com um exame de ordem. Se for constatada que sua formação está piorando, isso estaria em parte sendo causado pela forma do ensino, que não está conseguindo acompanhar a mudança dos alunos. Por outro lado, há também a acomodação e a falta de motivação deles. Há de se destacar, também, que, de uma forma geral, os alunos têm dificuldades de se concentrar nas aulas expositivas e isso é por influência do celular e das redes sociais. Assim, um exame de ordem, além de possibilitar uma melhor avalição da formação, contribuiria para que eles se esforçassem mais durante o curso, além de mostrar ao mercado que são os mais bem preparados. Pelo lado do ensino, uma melhoria seria a disponibilização de aulas em vídeo, que poderiam ser acessadas em qualquer hora. Uma questão importante seria fazer uma discussão mais ampla, que envolveria vários segmentos, sobre a forma dos cursos. Existem duas correntes. Os cursos com duração de cinco anos que formariam o aluno “pronto” para o mercado, como é atualmente no Brasil. A outra forma seria os cursos com três anos de duração, usados em vários países na Europa, somente com a formação básica. O aprendizado prático seria na indústria. Existem “pros” e “contras” em cada caso. Mas se continuarmos com o sistema de cinco anos, teríamos que mudar para que houvessem professores das disciplinas aplicadas com experiência profissional. E isso está cada vez mais difícil, pois a forma de contratação privilegia experiência em pesquisa e publicações. Seria necessário encontrar uma forma de trazer professores com experiência profissional em período parcial. Estes assuntos são complicados, mas devem ser encarados, pois são de fundamental importância para a sociedade.
O programa de pós-graduação em pré-fabricação da EESC-SP é uma iniciativa pioneira. Qual sua sensação em observar que esse pioneirismo influenciou outras universidades que, inclusive, já estão inserindo a disciplina de pré-moldado na graduação?
Naturalmente, fico muito contente, principalmente porque acredito que o tema é importante para o desenvolvimento da engenharia civil. Em relação ao pioneirismo gostaria de destacar que, embora tenha sido o criador e responsável pela disciplina até hoje, a proposta foi dos professores do departamento de Engenharia de Estruturas da EESC-USP, que apostaram na ideia e em mim. Mas, não foi fácil organizar a disciplina, pois não dispunha de modelo e o material bibliográfico, na época, era limitado, já que havia vários livros sobre aplicações, mas os fundamentos eram pouco tratados. Na época, tinha contato apenas com o periódico do PCI, que era muito bom. Para se ter uma ideia, a teoria (ou a retomada da teoria) de biela-e-tirante foi publicada neste periódico em 1987 e foi objeto de seminário na primeira vez que a disciplina foi ministrada. Fui procurando alguma referência sobre o assunto e descobri que havia a disciplina optativa nos curso de engenharia civil do Politécnico de Milão e da Universidade Tecnológica de Delft. Com ajuda de colegas, consegui o material do curso do Politécnico de Milão e, bem mais tarde, o material da Universidade Tecnológica de Delft. Até hoje tenho a ementa da disciplina do Politécnico de Milão e as notas de aula da Universidade Tecnológica de Delft. O primeiro livro que tive contato com fundamentos para análise das ligações foi o livro do Bruggeling (BRUGGELING, A. S. G.; HUYGHE, G. F. Prefabrication with concrete. 1991), que teve grande influência nos ajustes feitos na disciplina e em meu livro de concreto pré-moldado. Também criei, em 1993, a disciplina optativa no curso de Engenharia Civil da EESC-USP, que eu ministro até hoje como parte das atividades de professor sênior. Também criei a disciplina optativa para o curso de Arquitetura aqui da USP em São Carlos, que foi ministrada de 1999 a 2002.